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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Quarenta

A vida sob o olhar de um menino

Hoje eu acordei muito cedo.
Mesmo que os meus olhos insistissem em permanecer fechados, olhando as últimas cenas dos sonhos da noite, eu precisava levantar. Fui assim para o chuveiro, meio dormindo e meio dormindo, cambaleando entre o real e o imaginário, trombando contra as paredes, como um boêmio que volta da noite. Banho, água, vida, manhã, relógio...
O dia que havia se ausentado, deixando lugar à noite, voltava todo sonolento, parecendo que não queria chegar. Eu, no entanto, descia as escadas apressadamente e caminhava pelos corredores infindáveis do meu pensamento, dirigindo-me à capela.
A mesa estava pronta, o livro aberto, o vinho no cálice e o pão na patena esperavam o momento da consagração. Era o Senhor que também despertava e vinha fazer o caminho comigo. Fica conosco Senhor, o dia já está chegando.
Assim começou o dia de hoje. O dia que carinhosamente chamei de “quarenta”. Confesso, à boca miúda, que o esperava sem pressa, mas sabia que uma hora ou outra ele acordaria e entraria no meu quarto, abriria os meus olhos e me levaria para longe dos meus sonhos. Só não sabia que ele me prepararia surpresas, que viria com emoções fortes como o medo, o choro, a fé, a saudade e novamente os sonhos de menino.

Assim chega a vida...

Eu recordo com muita alegria a minha vida. Sou de um lugar pequeno e escondido. Protegido ainda de tantas coisas que o mundo moderno oferece, e, por isso mesmo, continua sendo muito especial para mim.
Lembro-me da antiga casa. De cada cômodo com os seus móveis velhos carregados de histórias. Meu Deus, quantas coisas vivi nesta casa. Recordo-me que uma vez eu me deitei no chão vermelho brilhante, depois de horas passando o escovão, e pensei, puxa vida, que casa linda. E como era bonita mesmo. O meu olhar de criança feliz não deixava nenhuma dúvida de que ali era o coração do mundo. Eu tinha tanta certeza que a felicidade era presente que não fazia questão de esconder.
Hoje, olhando para essa cena, eu sinto quão frágil era a minha realidade e como eu crescia num ambiente privilegiado. Parecia que eu era protegido por uma redoma de vidro e nada de mal me atingia. E realmente eu era.
Como sou grato aos meus pais por isso. Imagino como eles se desdobraram para me educar, para me fazer feliz, para que eu acreditasse que tudo era fácil. E hoje eu sei não era. Sei que a vida é feita de lutas diárias, de renuncias, de fazer algo mesmo quando não se quer, mas sei também que é preciso tempo para sonhar como um menino.
Eu aprendi isso com os meus pais.
Aprendi por exemplo que o ano se divide em três grandes momentos: o Natal, a Páscoa e o meu aniversário. Até hoje eu divido o ano assim. Primeiro se espera o Natal, com seus presentes, roupas novas, festas em família, parentes de longe que chegam,árvores de natal, presépio, missa. Depois se espera a Páscoa, chocolate, roupa nova, quaresma com sua cor penitencial, parentes de longe que chegam, festas em família, procissões, Verônicas, missas. E aí inicia uma longa espera pelo aniversário, mas aos poucos ele vai chegando e, quando menos se espera, é o grande dia. Presentes, bolo, amigos, festa em família.
Meu Deus, como fui feliz. Que graça de Deus ter a infância que eu tive. Que graça de Deus ter a família que tenho. Meu Deus, como sou feliz.
Hoje sou o mesmo menino, que continua sonhando, mesmo que, como aconteceu agora, o dia se canse novamente e deixa o seu posto para que a noite chegue. Eu também quero ser assim. Viver bem o espaço de tempo que Deus me reservou e no fim, quando precisar deixar o posto para outro, sair de mansinho, em paz e deixando escapar pelo canto da boca entre sorrisos, obrigado por tudo, obrigado.

Roma, 17 de setembro de 2010

2 comentários:

Unknown disse...

Padre Djalma,
Você se sente um menino por estar vivendo momentos de graça, de encantamento e de agradecimento a Deus.
Continue sentindo-se um menino, na pureza divina que é a de ser criança.
Estou acompanhando todos os escritos no seu blog.
Parabéns!

Vanilza Freitas disse...

Quantas maravilhas temos nós ao relembrar de momentos bons do passado, principalmente quando temos uma infância regada de brincadeiras...
Com seu texto relembrei os tempos que eu subia nas árvores, andava de patins, bicicleta, pulava de elástico, esconde-esconde, queimado... São tantas lemranças.
Mas, eu também sei que sua alegria, risos e agradecimentos se esvai em um rio de saudades...
Que Deus seja tua fortaleza e tua força e que lembres, quando somos fracos é que nós somos fortes!

Bjks:.