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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Somos um pouco de azul misturado com vermelho

Iniciamos com a quarta-feira de cinzas o grande retiro quaresmal. Temos um itinerário a seguir: cobrimo-nos de cinzas e fomos lembrados que precisamos nos converter e crer no Evangelho, e descobrimos que a quaresma se faz com oração, esmola e jejum.
É interessante pensar que com estas três dimensões encontramos a Ressurreição e a Vida logo na aurora do Domingo de Páscoa.
A oração nos remete a Deus. É uma linha vertical. Estamos ligados ao céu. Aliás, não podemos esquecer que a cor da quaresma é o roxo. Uma cor que não é primária e que precisa de duas outras para formá-la: o azul e o vermelho. A oração é azul! Faz-nos pessoas melhores e nos enche de esperança, ficamos fortalecidos. Mas a oração também precisa de realidade, de pés no chão. O próprio Jesus nos ensinou a rezar e não se esqueceu de chamar Deus de Pai, querendo dizer que somos irmãos, herdeiros do mesmo reino e por isso solidários; não se esqueceu do nosso pão cotidiano, lembrando-nos que a vida se faz com mesa farta e com partilha, para todos; e não se esqueceu do perdão. Ah, o perdão, tão falado, tão desejado e tão esperado por todos. Como é que falamos do céu com tantas coisas terrenas? Como entramos em contato com o Divino levando tanto da nossa Humanidade?
Mas, voltando ao roxo, além do azul também é preciso o vermelho. É a linha horizontal. Disfarçado e misturado com o azul celeste, o vermelho sangue ou vermelho terra em algumas regiões, se dilui num tom mais brando. Assim também aconteceu quando nós nos juntamos com Deus. Tornamo-nos mais suaves, mais ternos, mais amenos. Mas não deixamos de ser quem somos, não deixamos que o sangue que corre em nossas veias se coagulem. É preciso correr, circular, movimentar os órgãos e a energia vital de nosso corpo. Assim também acontece com a esmola e com o jejum.
A caridade nos remete ao próximo (Pai-Nosso). Somos todos filhos do mesmo Pai e nos reconhecemos todos como pó, lembrando que um dia ao pó voltaremos. A solidariedade faz parte da nossa divinização e é peça chave para o caminho do Céu. “Se caminhar é preciso”, já dizia um antigo hino, “caminharemos unidos”. De mãos dadas e corações unidos chegaremos ao Paraíso perdido. Mas não podemos sucumbir à tentação de buscar o Paraíso sozinhos. É preciso do outro fazendo estrada conosco, mesmo que o outro seja a pedra do nosso caminho. Aliás, não se constroem uma boa estrada sem boas pedras.
É preciso relevar muitas coisas, passar por cima de outras, perdoar algumas e caminhar, de mãos dadas. E quando a caridade se torna difícil, recorremos ao perdão e à oração. O sangue vermelho, o barro do chão pede ajuda ao azul do céu. Somos roxos, como as quaresmeiras dos interiores de Minas, como os santos cobertos de cetim das cidades antigas do Vale do Paraíba, em São Paulo, como as estolas sacerdotais espalhadas por todo o mundo nas celebrações eucarísticas. Roxos.
E quando juntamos a oração com a ação, somos convidados ao jejum, afinal é preciso cuidar de nós mesmos. Não podemos correr o risco de enfraquecer e deixar que o Antigo Inimigo venha nos tentar: “Está com fome? Transforme esta pedra em pão. Quer poder? Escolha um reino que eu te darei. Está feliz e seguro de si? Pule deste monte e não morrerás....” O jejum nos fortalece, nos faz gigantes para enfrentar o diabo, e cheios de coragem conseguiremos dizer como Jesus: “Nem só de pão vive o homem; Adorarás só a Deus; Não tentarás o Senhor teu Deus”.
Não percamos tempo, preparemos nosso coração para este tempo de graça e salvação. E, assim, restaurados pela quaresma, chegaremos à Vida, não mais vestidos de roxo, mas transfigurados, brancos como a visão que Pedro, Tiago e João tiveram no Tabor.
“O Senhor ressurgiu, aleluia!” Vamos cantar aliviados e cheios de alegria.

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